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    Rio de Janeiro

    Firma do Rio faz entrega em casa 'sem rua'

    LUIZA FRANCO
    DO RIO

    16/11/2014 02h00

    No Google Maps, a favela da Rocinha, na zona sul do Rio, e suas milhares de ruas, becos, vielas e travessas aparecem como um emaranhado de telhados rasgado por umas poucas vias nomeadas.

    Onde não há título de posse, não há endereço formal. Sem ele, os Correios e outras empresas de entrega têm dificuldade de chegar. Aí entra a Carteiro Amigo, empresa de entrega de correspondência em favelas.

    Ela foi criada em 2002 na Rocinha, onde os Correios cobrem cerca de 30% das casas. A favela, a maior do Brasil, tem 69.156 moradores, de acordo com o Censo Demográfico 2010 do IBGE.

    A empresa tem hoje cerca de 3.000 casas e 12 mil pessoas cadastradas só na Rocinha. Em 2013, abriu franquia e está em outras dez favelas na cidade.

    "O nosso trabalho começa onde o dos Correios termina. Patenteamos a entrega de correspondência onde não há logradouro, lugares não urbanizados", diz Sila Vieira, 44, um dos três sócios.

    Ricardo Borges/Folhapress
    Entrega da empresa Carteiro Amigo na Rocinha; empresa está em mais de dez favelas do Rio
    Entrega da empresa Carteiro Amigo na Rocinha; empresa está em mais de dez favelas do Rio

    Os fundadores da empresa se conheceram quando trabalharam na coleta de dados do Censo de 2010 na Rocinha, onde todos eles nasceram. O trabalho os fez perceber a dimensão do problema de falta de endereço na favela.

    Segundo a assessoria de imprensa dos Correios, cerca de 6.000 objetos são destinados por via postal diariamente à favela da zona sul. Desse total, 75% são entregues na porta do destinatário. O restante fica disponível num carro, em frente à agência da empresa na comunidade.

    VIELAS

    A estatal cita uma série de obstáculos para a entrega de correspondência em locais sem urbanização. Os principais são a falta de condições para circulação dos veículos e a ausência de identificação das ruas e de numeração das casas, além das mudanças constantes de endereços.

    Como parte da tentativa de levar melhorias a favelas onde há UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), como a Rocinha, a prefeitura desenvolveu um mapa da favela com 582 vias, entre ruas, becos, escadarias. Já o mapa
    criado pela Carteiro Amigo identificou 3.203 vias.

    MECANISMO

    Para o morador, o sistema funciona assim: aquele que não tiver endereço oficial fornece o da sede da Carteiro Amigo. Quando sua correspondência chega às mãos da Carteiro, a empresa se encarrega de entregá-la.

    O morador paga uma mensalidade de R$ 16 por imóvel. Num dia cheio, a Carteiro recebe, segundo um dos sócios, cerca de 2.000 cartas e 30 encomendas. A empresa prefere não revelar o faturamento, mas diz ter uma taxa de inadimplência de 35%.

    JEITINHO

    Até a chegada da Carteiro Amigo, os moradores davam um jeito para receber correspondência. Forneciam endereços de parentes ou de comércio ou coletavam nas associações de moradores.

    Os clientes comemoram. José Antônio Monteiro mora na Rocinha há décadas. Antes da Carteiro Amigo, buscava suas cartas na agência do seu banco.

    Hoje eu não preciso nem sair de casa, e as contas não atrasam. E compro muita coisa pela internet, diz, ao mesmo tempo em que recebe uma conta de celular.

    Ricardo Borges/Folhapress
    Integrante da empresa, que identificou em um mapa mais de 3 mil ruas da Rocinha
    Integrante da empresa, que identificou em um mapa mais de 3 mil ruas da Rocinha

    MAPA

    O mapa criado e patenteado pela empresa Carteiro Amigo para sistematizar a favela não é visual, mas lógico. Ele funciona como uma lista, uma sequência de instruções que descrevem o que há de cada lado das ruas percorridas pelos entregadores.

    Foi o esquema desenvolvido pela empresa para sistematizar as entregas na favela da Rocinha, na zona sul do Rio. Uma descrição de uma rua da favela seria, por exemplo, a seguinte lista: "casa, casa, comércio, prédio, muro".

    Ao lado de uma "casa" fica o número de cadastro do cliente. Com essa descrição na mão, o carteiro da empresa se localiza na comunidade.

    O sistema de mapeamento ajuda a acompanhar o crescimento constante da maior favela do Brasil, onde novos andares são constantemente acrescentados às construções, becos são fechados e viram túneis e casas se transformam em comércio.

    Os quatro entregadores na Rocinha são moradores da favela, trabalham na empresa há muitos anos e, por isso, conhecem bem os labirintos e os clientes do local. Com o sistema desenvolvido pela empresa, eles se localizam e ajudam a manter o mapa atualizado.

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